O principal objetivo de uma investigação criminal é o desvelamento do fato oculto, trazendo à luz informações que respondam o heptâmetro de quintiliano[1], indicando se o crime efetivamente aconteceu, como foi praticado, onde ocorreu, em que momento o delito se deu, quem foi o autor e qual a motivação do crime, além de eventuais auxílios prestados por outrem. Para fazer isso, os investigadores devem descobrir, coletar, verificar e considerar pistas de várias fontes de informação e tentar construir um relato coerente do evento[2]. Alguns casos podem parecer simples, outros guardam grande complexidade de atuação.
O processo investigatório criminal segue balizas e metodologias próprias[3] muito semelhantes à pesquisa científica, diferenciando-se apenas por peculiaridades operacionais. A investigação criminal brasileira caracteriza-se pela natureza não individual e interdisciplinar[4], com destaque no processo interrelacional dos sujeitos envolvidos no caso, sejam delegados, investigadores, investigados, promotores, advogados, juízes, vítimas e etc. Cada um desses personagens (players) possui objetivos (payoffs) definidos (manifestados ou não), procurando estabelecer estratégias de atuação para fazer valer seus interesses. Nesse ponto, a teoria dos jogos[5] aplicada à investigação criminal[6] auxilia a identificar e entender os contextos do jogo da investigação, melhorando o desempenho na partida.
O processo de investigação criminal, quando orientado pela Teoria dos Jogos, parte da premissa que o presidente da investigação, via de regra o Delegado de Polícia (player do jogo da investigação criminal), atua com racionalidade na busca dos elementos informativos que comprovem a existência do fato e tragam à luz os indícios de autoria (payoffs da investigação preliminar). Tal atividade, por sua vez, deve ser tratada de maneira científica, com a definição de estratégias claras e adoção de metodologias, sempre levando em conta o processo de interação entre os demais jogadores (autores, membros do Ministério Público e Poder Judiciário, Advogados, Defensores e auxiliares, como Agentes e Escrivães de Polícia), analisando passo a passo o contexto do jogo para, só então, promover a escolha do caminho a ser seguido, formando uma verdadeira árvore de decisão.
A literatura indica que Sherlock Holmes, brilhante detetive da era Vitoriana, possuía grande habilidade na arte da investigação com a dedução de circunstancias criminais a partir da técnica de observação.
Cabe, pois, uma correção: o método utilizado por Holmes, em verdade, é conhecido por método de lógica abdutiva, segundo o qual se estabelece uma hipótese inicial mais provável para o caso em apreço a partir dos elementos apresentados ao pesquisador. Seria a inferência a uma melhor explicação para o evento[7]. “O raciocínio abdutivo é utilizado como uma técnica de inferência explicativa em várias tarefas de julgamento e tomada de decisão aplicadas, como diagnóstico médico”[8].Em um paralelo com o modelo nacional, podemos indicar que a formulação de uma hipótese inicial para o evento criminoso, levando em conta as premissas (informações já reveladas pela verificação preliminar do caso), caracteriza-se como um juízo de prognose[9] do delegado de polícia.
O esquema metodológico da investigação criminal[10], portanto, estabelece um ponto de partida com a identificação do problema[11]. Após, é marcado pela formulação de hipóteses, seguida de um planejamento estratégico e coleta de dados e identificação de vazios (“questionamentos fulcrais engendrados em face de um fato criminoso sob escrutínio e que carecem de resposta”[12]), para então submeter as hipóteses iniciais a uma análise crítica, afastando ou acolhendo o proposto[13]. Em caso de afastamento da hipótese inicial, o processo recomeça, formando um ciclo de esforço investigativo[14].
Formulada a hipótese inicial, deve o investigador promover um brainstorm a fim de verificar quais diligências se encontram disponíveis para execução, bem como quais as técnicas investigativas são adequadas para o caso em tela. Após, deverá analisar o cenário operacional de sua unidade examinando quais as diligências são possíveis de realização de acordo com as forças, fraquezas, oportunidades e ameaças que permeiam o contexto organizacional (matriz SWOT). Identificadas as diligências possíveis, passa-se à fase de verificação do contexto criminal em que o fato delituoso está envolvido (é um caso que envolve organização criminosa? É um delito de ocasião?), tendo em vista que cada ato investigatório realizado proporciona alteração de cenário no contexto da elucidação do crime (efeito Doppler na investigação criminal[15]). Em seguida, deve o presidente da investigação priorizar as diligências escolhidas (valendo-se de uma planilha GUT, estabelecendo a gravidade, urgência e tendência de piora do quadro investigativo)[16] de acordo com o processo de escolha racional de caminhos, elencando de forma sistematizada e organizada a ordem de execução de cada ato investigatório. Aí sim, se vai a campo executando-se o “plano de ação investigativa”[17].
Nesse sentido, à medida que as diligências vão se realizando e sendo juntadas as autos do inquérito policial, o presidente da investigação, analisando os elementos produzidos, confrontará os dados com a hipótese inicialmente aventada, em havendo confirmação, deverá firmar relatório final em um verdadeiro “juízo de diagnose”[18] da investigação criminal.
Assim, é fundamental entender que a investigação criminal deve se operar de maneira científica, com a utilização de técnicas adequadas para a construção da verdade oficial do estado (não a “verdade real”, por favor!). Entender a investigação como um processo singelo, perfunctório, sem qualquer técnica específica, ou mesmo um processo de mero insight “dedutivo” de um investigador experiente, é a manifestação de um descolamento com a realidade e a demonstração que se conhece investigação pelo mundo da ficção. Elementar, meu caro. Bons jogos investigativos.